segunda-feira, 4 de maio de 2009

Phil Spector foi gênio, lunático e assassino.



Condenado por matar uma aspirante a atriz, o produtor é o protagonista de uma das sagas mais controversas da história da música pop.


Se não fosse por uma incontrolável tremedeira nas mãos, o produtor musical Phil Spector poderia ser confundido com um boneco de cera em sua última aparição pública, num acanhado tribunal californiano, na última segunda-feira. Ao cabo de um julgamento de seis meses, Spector foi condenado a 18 anos de prisão por matar uma aspirante a atriz em sua mansão em 2003. Levar o júri para uma sala pequena foi uma estratégia da acusação, temerosa de que absolvições polêmicas como a de O.J. Simpson e Michael Jackson – em que a opinião pública teve papel chave – se repetissem.

Phil insistia na tese de “suicídio acidental”. Lana Clarkson, uma loira estonteante em seus recém-completados 40 anos, fazia um bico como hostess numa boate de West Hollywood. Phil se encantou com a moça. Ficou até o fim do expediente e lhe ofereceu uma carona em sua limusine. Tomariam um drinque na mansão de Spector. Quatro horas após o primeiro gole, Lana jazia morta no chão, vítima de um tiro fatal na cabeça. A testemunha-chave do caso, um motorista brasileiro chamado Adriano de Souza, confirmou que Spector entrou na limusine momentos depois da morte da atriz, com as mãos ensanguentadas, e disse: “Eu acho que matei alguém”.

Harvey Phillip Spector foi apenas mais um garoto pobre a crescer no bairro novaiorquino do Bronx nos anos que seguiram o fim da Segunda Guerra mundial. Guiado por uma paixão pela música latina, Spector fazia perigosas incursões noturnas em “El Barrio” (como é conhecido o reduto espanhol no bairro do Harlem), para ouvir músicos porto-riquenhos tocando em cálidas sessões de meia-noite. Quando Phil tinha 15 anos, seu pai se matou, deixando a família em dificuldade. A mãe tentou reanimar Phillip e sua irmã mudando-se para a ensolarada Los Angeles. Três anos depois, o garoto judeu de olhos grandes fez amigos na escola e compôs seu primeiro sucesso: To Know Him is to Love Him, (Conhecê-lo é amá-lo, em português). A frase foi retirada da lápide de seu pai suicida.
A voz doce e o domínio de vários instrumentos eram o presságio da chegada de mais um ídolo da juventude. Outro presságio era o nome que escolheu para a banda: The Teddy Bears, título de uma canção do rei Elvis. Estar diante das câmeras, entretanto, não era o que Spector desejava. Mudou-se para Nova York, decidido a produzir discos que contivessem o sentimento latino que experimentara quase uma década antes no Harlem Espanhol. Nascia ali um estilo barroco de produção que ganhou o nome de “parede de som”: um empastelamento de sons graves e agudos que encantou os ouvidos da juventude americana. A receita era quase impossível de reproduzir sem cometer excessos: Phil lotava o estúdio com dúzias de guitarristas, pianistas e saxofonistas. Gravava-os simultaneamente, sincronizados a dezenas de faixas de percussão com as exóticas marimbas e chocalhos da sua adolescência. Por fim, deitava a trilha sobre orquestrações ornadas e coros angelicais – “uma abordagem wagneriana para o rock & roll: pequenas sinfonias para as crianças”, na definição do próprio Spector. Aos 21, era milionário, “o primeiro magnata da juventude”, como escreveu o jornalista Tom Wolfe. Antes de completar 24 anos, havia produzido 20 hits internacionais consecutivos. A influência do produtor é sentida ainda hoje – e não é preciso procurar muito: a maior sensação do mercado fonográfico dos últimos anos, a inglesa Amy Winehouse, é uma recriação da estética e do som de Spector durante os anos 1960. Do cabelo às roupas, do repertório à entonação, Amy refaz os caminhos de The Ronettes e The Crystals, grupos vocais que Spector produziu. Em 2007, Amy compôs em parceria com a cantora Mutya Buena uma música cujas referências a Phil Spector, de tão escancaradas, levaram as duas a dar-lhe crédito na canção, A canção mais executada pelas rádios americanas em todos os tempos ainda é “You’ve lost that loving feeling”, dos Righteous Brothers, da primeira lavra de Spector.
Não era apenas a parede de som que Phil erguia ao seu redor. Aos poucos, padecia da depressão, da paranoia e dos delírios que mataram seu pai e levaram sua irmã ao hospício. Isolava-se do mundo. Em sua mansão, as luzes estavam sempre apagadas, para que ninguém visse sua insipiente calvice. Mantinha a mulher presa em casa, sob ameaçava de morte. “Havia um caixão de ouro no porão, onde ele disse que me trancaria se decidisse abandoná-lo“, afirmou Ronnie, a primeira mulher. Apesar da caduquice galopante, ainda trabalharia de perto com John Lennon, produzindo o último disco dos Beatles e os libelos pela paz “Imagine” e “Happy X-mas (War is Over)”. “Imagine” é puro Spector: o piano encharcado de ecos fantasmagóricos, o quarteto de cordas num contraponto criativo. Na década de 1970, Spector trabalharia cada vez menos. Adotou um visual de perucas esdrúxulas, saltos altos e armas de fogo na cintura. A parceria com Lennon acabou quando deu um tiro para o alto dentro do estúdio. “Se é para me deixar surdo, me dê logo um tiro no peito”, teria dito o ex-beatle. A degradação psicológica de Spector só piorou quando um acidente de carro o desfigurou para sempre. Após voar pelo vidro, foi dado como morto pelos para-médicos. O policial que o levaria para o rabecão sentiu seu pulso e remeteu-o para um hospital. Lá, levou 700 pontos na cabeça.

Nas duas únicas vezes em que fez grandes trabalhos após o acidente, sua mórbida relação com as armas quase fez as parcerias terminarem em tragédias. Para o compositor canadense Leonard Cohen, Spector apontou uma besta (arma medieval que consiste de um arco-e-flexa acionado por um gatilho) durante as gravações. Com os Ramones, em 1980, forçou a banda a tocar durante oito horas seguidas o mesmo acorde. Ainda nessas sessões, o baixista Dee Dee Ramone afirma que Spector o obrigou a executar uma passagem musical sob a mira de um revólver. Nos anos 80, não trabalhou muito. Uma aguardada parceria com Celine Dion, em meados dos anos 1990, acabou quando Spector arranjou briga com a produção da cantora. As aparições públicas rareavam. Quando via um microfone em sua frente, distribuia insultos a ex-parceiros como a cantora Tina Turner ou a novas sensações do pop, como as Spice Girls, que chamou de “o Anti-cristo”. Uma de suas últimas declarações a um jornalista, feita três anos após o assassinato de Lana Clarkson, tornou-se a senha para entender a confusa vida de Phil Spector: “Eu sou meu pior inimigo”.

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