sábado, 28 de março de 2009

Carne vermelha faz mal à saúde?



Um novo estudo sobre os efeitos da carne sugere que ela pode ser nociva – mas apenas em excesso. É o argumento que faltava para quem adora um filé.



A carne vermelha faz bem ou faz mal? Essa é uma das mais apetitosas discussões de quem se preocupa com o que coloca no estômago. Ela não envolve apenas os representantes de dois extremos: os vegetarianos que dizem viver muito bem sem proteína animal e os gourmets para os quais uma vida sem carne não merece ser vivida. Um importante estudo médico divulgado na semana passada reacendeu a polêmica, que diz respeito também ao consumidor mediano, aquele que se preocupa com a saúde mas não está disposto a recusar a picanha fumegante que o garçom acabou de pôr na mesa. A novidade: os carnívoros moderados parecem não ter razão para se preocupar. A notícia é um alívio para quem aprecia as boas receitas e tem vivido, com água na boca, o renascimento culinário que os grandes chefs de cozinha produziram nos últimos anos em torno da carne vermelha.

Financiada pelo Instituto Nacional do Câncer e publicada no Archives of Internal Medicine dos Estados Unidos, a pesquisa analisou dados de 500 mil americanos entre 50 e 71 anos. Os cientistas concluíram que o consumo elevado de carne vermelha (68 gramas a cada 1.000 calorias ingeridas, o equivalente a um bife por dia) aumenta o risco de morte por câncer e doenças cardiovasculares. Segundo os pesquisadores, 11% das mortes em homens e 16% das mortes em mulheres poderiam ser adiadas se o consumo de carne fosse reduzido para 9 gramas do produto a cada 1.000 calorias ingeridas. Isso equivale a míseros 126 gramas de carne vermelha por semana – menos da metade que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera aceitável. Conclui-se que o estudo recomenda um consumo bastante moderado.

“O trabalho é importante porque mostrou que um fator isolado (o excesso de carne vermelha) é capaz de aumentar o risco de câncer”, diz Fábio de Oliveira Ferreira, cirurgião oncológico do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo. “Mas ninguém precisa deixar de comer carne.” Segundo Ferreira, o importante é seguir uma dieta equilibrada, fazer atividade física e consumir fibras. Ou seja: investir em outros hábitos que têm uma função protetora contra o câncer e ajudam a neutralizar os eventuais danos que a carne possa produzir.

Hábitos que têm uma função protetora contra o câncer
ajudam a neutralizar os danos da carne
A preocupação com a saúde é o principal argumento que costuma ser usado para condenar o consumo de carne vermelha. Estudos médicos culpam a dieta carnívora até pela degeneração da retina dos olhos. Nos últimos anos, porém, os adversários da carne se multiplicaram. Grupos que defendem os animais e ambientalistas intensificaram a propaganda vegetariana. O alerta para a crueldade dos métodos de abate foi o começo. Em seguida, a carne vermelha entrou na mira das pesquisas sobre o aquecimento global. Um relatório recente do Greenpeace afirma que a produção de 1 quilo de filé bovino emite gases causadores do efeito estufa equivalentes ao de um avião num voo de 100 quilômetros. Quem é capaz de verificar esse tipo de estimativa?

Diante dessa avalanche de má vontade, a carne parecia destinada a se tornar uma coisa tão fora de moda quanto o cigarro. Mas algo ocorreu. Ao contrário do indefensável cigarro, a carne começou a ser reabilitada. Um de seus defensores de maior sucesso é o ex-vegetariano Tom Mylan, que hoje ganha a vida como açougueiro (leia a entrevista na última página). Há um ano, quando passou a dar aulas sobre cortes no açougue Marlow & Daughters, em Nova York, Mylan parecia condenado ao desemprego. Hoje, há 60 pessoas na fila de espera. Segundo sua filosofia, é preciso ver bem de perto uma carcaça animal para apreciar o melhor das carnes. A cada aula, o açougueiro fatia um porco de 200 quilos para mostrar como se extrai dali os pedaços mais saborosos.

Apesar da carnificina, há uma preocupação ambiental: todos os animais que ele esquarteja foram criados em fazendas com certificado de manuseio humanitário. Eram porcos felizes, segundo seus criadores. A filosofia parece um tanto cruel, mas faz sentido quando se descobre que Mylan é um ex-vegetariano que odeia carne industrializada. Quando a aula do açougueiro termina, os alunos se veem diante de uma pirâmide de pedaços de porco – sem uma gota de sangue. Quase tudo é aproveitado. Para Mylan e outros adeptos do “neocarnivorismo”, consumir todos os cortes possíveis, da cabeça ao rabo, seria uma maneira de justificar a morte do animal, pois nada é desperdiçado. A lógica também vale para os restaurantes. Nos Estados Unidos, alguns estabelecimentos deixaram de comprar carnes porcionadas e passaram a encomendar animais inteiros para garantir cortes precisos e economia.

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