quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Droga pode ser a primeira a prevenir Alzheimer.


Neurocientista Kenneth Kosik conta como será a pesquisa de US$ 100 milhões que poderá trazer um tratamento para a doença.


Editora Globo
Crédito: Divulgação

O neurocientista Kenneth Kosik é um dos líderes do tratamento que pode encontrar um remédio efetivo contra o Alzheirmer. O teste de US$ 100 milhões da droga Crenezumab será feito em famílias colombianas com uma raríssima mutação que as leva a ter 100% de chance de desenvolver o mal precocemente, aos 45 anos. Kosik, que pesquisa essas famílias há mais de 20 anos, explica abaixo mais detalhes sobre como serão feitos os testes.

Quando você se envolveu com os pacientes colombianos?
Há mais de 20 anos, no começo da minha carreira. Era professor em Harvard quando um neurocirurgião de Bogotá apareceu em meu laboratório e passamos a desenvolver um projeto conjunto de levar a neurociência na América Latina, com foco na Colômbia. Quando fui para lá, dei uma palestra sobre Alzheimer. Francisco Lopera, que eu não conhecia até o momento, participou da palestra e me contou sobre os casos de uma família que tinha todos os sintomas do Alzheimer, mas já aos 45 anos. Eu percebi que o que ele havia me dito era absolutamente extraordinário e fui imediatamente para Medellin. Naquele momento, o que ele tinha era basicamente alguns pedaços de papel e anotações à mão, com as indicações da doença num número grande de pessoas. Nós percebemos que era algo hereditário, mas não sabíamos qual seria a mutação genética por trás disso.
Como tiveram certeza que se tratava de Alzheimer?
Passamos a década seguinte traçando as características da doença e publicando pesquisas. Um dos membros dessa família que começamos a acompanhar morreu e fizemos uma autópsia de seu cérebro. E confirmamos que isso era um quadro clássico da doença de Alzheimer. Nós terminamos por encontrar a mutação responsável pelas pessoas dessa família pegarem Alzheimer tão precocemente.
De onde partiu a ideia dessa nova pesquisa de US$ 100 milhões financiada pelos Estados Unidos?
Há mais dois anos nós recebemos uma ligação de uma pessoa do Instituto Banner nos EUA, dizendo que eles queriam fazer um teste clínico, algo que eu e o Dr. Lopera estávamos interessados há muito tempo.
Por que não fizeram os testes antes?
Mesmo depois de batermos em muitas portas de companhias na década de 90, elas diziam “não” argumentando que queriam fabricar remédios para pessoas mais velhas que não têm a mutação e não fazer testes nesse tipo de paciente raro. Além disso, naquela época, as pessoas também não queriam ir para a Colômbia porque havia muita confusão por lá.
Essa confusão tinha a ver com o medo do Cartel de Medellin, que fica na região das famílias? O que mudou desde então?
Sim, teve. Mas não foi só isso. A comunidade científica também não estava preparada para considerar um teste pré-sintomático [o teste financiado pelo governo dos EUA será dar remédios a pessoas que ainda não desenvolveram sintomas para ver se é possível prevenir o mal]. O que aconteceu depois foi que a Colômbia se transformou num território mais tranquilo e as pessoas começaram a perceber que se nós pudermos achar a droga que vai tratar ou prevenir o Alzheimer nas pessoas com a mutação, é muito provável que ela também possa funcionar nos grupos com idade mais avançada também.
Como ela poderia funcionar?
Se você trabalha numa farmacêutica nos EUA e quer fazer uma droga para pessoas de idade com Alzheimer, você tem que iniciar o tratamento nos voluntários muito cedo e não dá pra saber depois se aquele grupo de voluntários que você acompanhou durante anos não desenvolveu a doença por conta do remédio testado ou porque não ia ter a enfermidade mesmo. Na Colômbia, sabemos exatamente quem vai pegar a doença e também quando eles vão pegar. Se você testa um jovem e ele tem a mutação, é certo que ele vai desenvolver o mal por volta de 45, 50 anos. Nós temos a possibilidade de começar o tratamento antes e com mais eficácia. No mais, as características do Alzheimer nas pessoas com a mutação são muito parecidas com as das pessoas que não têm a mutação.
Como serão os testes?
Após uma seleção de várias drogas para o teste da qual eu participei foi selecionada a droga da Genentech. Tenho de lhe dizer também que, hoje, eu sou um colaborador da empresa, fui contratado para dar consultoria. Naquela época, friso, não tinha nenhum vínculo nem interesse com eles.
Sobre os testes, eles selecionaram uma droga que é um anticorpo direcionado à proteína amilóide [que se acumula no cérebro de pessoas com Alzheimer e é tida como fator responsável pelos sintomas].
O teste foi desenvolvido de forma a termos 3 grupos de 100 pessoas. Um dos grupos será de com a mutação. Como é uma mutação muito forte, esse grupo, inevitavelmente, desenvolveria a doença, não há nada que se possa fazer sobre isso agora. Como essa é uma das poucas esperanças que essas pessoas têm, há muita gente interessada em participar desse tratamento. 
O outro grupo será de 100 pessoas que têm a mutação, mas será um grupo de controle [receberá placebo]. O terceiro grupo não vai ter a mutação e vai receber placebo. A razão para o terceiro grupo é que, até agora, nós não informamos as pessoas testadas se elas têm ou não a mutação. A maior parte das pessoas não quer saber se tem a mutação. Mas, para as poucas que querem saber, no momento, não temos um trabalho extensivo de aconselhamento, o que é muito importante. Especialmente porque a pessoa quando descobre que têm a mutação acaba ficando muito vulnerável e pode desenvolver depressão.
Você chegou a acompanhar o que essa informação pode causar?
Muitos anos atrás, quando descobrimos a mutação pela primeira vez, fui conversar com muitas das pessoas e perguntei a elas se elas queriam saber. Muitos não queriam saber, mas havia um garoto de 24 anos que disse que sim. Perguntei. “Por que você quer saber? Não há nenhum tratamento para isso no momento.” Ele não me disse muita coisa, mas depois disse a uma das enfermeiras que nos ajudava ‘se eu souber que tenho a mutação, eu imediatamente me suicido’.
Ele só tinha 24, estava no meio do caminho, e muito poderia mudar naquele período de tempo. Penso que o risco para saúde mental das pessoas é muito alto neste momento para contarmos. O outro problema é que se você sabe que seu irmão ou irmã tem a mutação, então você tem 50% de chance de desenvolver a doença. Ou seja, mexe também com a cabeça de todos na família.
Há tantas considerações genéticas e éticas que nós decidimos que seria melhor não informar as pessoas sobre a doença e, mantendo um grupo na pesquisa que não tenha a doença, isso faz com que as pessoas não saibam sobre ela. Por isso temos 3 grupos.
Qual a sua expectativa com os testes?
Devemos começar em 2013. Se, por um lado, a esperança é tremenda, nós não temos garantias de que isso vai funcionar. Se não funcionar, tentaremos alguma outra coisa. Estamos muito dedicados a melhorar a vida das pessoas em Antioquia [região da Colômbia onde vivem as famílias], mas precisamos também dosar o entusiasmo que depositamos nisso. 

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